Os espíritos de inisherin e ilíada #14
Nesse comeback, Aquiles e Pádraic me acompanham para explicar que as guerras não fazem sentido algum.
Minha primeira leitura do ano foi Ilíada.
Confesso que demorei para ler por sentir que ainda me faltava bagagem literária para absorver o que Homero quis dizer. Tudo mudou quando vi um vídeo no Youtube de uma moça que disse que Ilíada é um livro que se basta por si só e as coisas que eu precisaria saber da história eu iria encontrar primeiro na íntegra. Na hora, concordei demais com ela.
Parece óbvio, e é. Mas sempre senti medo de ler Ilíada e isso costuma acontecer com algumas pessoas que cresceram lendo clássicos. Sempre tem aquele livro que é reconhecido como grandioso e difícil e assusta todo mundo Montanha Mágica eu SEMPRE terei medo de você, mas no final das contas não é bem assim.
Lembro que morria de medo de Os Irmãos Karamázov e quando li, me surpreendi com a fluidez da narrativa - algo bem incomum nas obras do Dostô - e os temas que qualquer pessoa entenderia. Apesar de ser um livro pesado, ele não é impossível.
O mais importante, acredito eu, é se entregar em clássicos reconhecidos como difíceis e monumentais. No final, vai valer muito a pena por que um clássico sempre vai ter algo muito bonito a dizer. E um dia eu vou poder falar o mesmo de A Montanha Mágica.
Voltando para Ilíada, eu preciso dizer que eu me encantei e vivi essa história. Apesar de ela ser muito antiga e todo mundo saber o que acontece, detalhes da narrativa me emocionaram e eu ficava bem ansioso para ler o que ia acontecer depois.
Na história, Aquiles é motivado pela raiva a sair da guerra para se rebelar com a injustiça e a partir daí, toma decisões impulsivas para consertar os problemas que vieram em consequência dos seus atos. O leitor vai testemunhar muitas cenas sangrentas de batalhas e outras épicas de discursos de deuses e guerreiros que estão envolvidos na Guerra de Troia.
Muito mais que uma história padrão de guerra, eu entendi que ele se trata de humanidade. Os personagens são incrivelmente bem desenvolvidos e possuem uma personalidade forte e complexa, o que faz a gente se envolver e entender suas reações. Isso é muito importante para o final da história, pois Homero demonstra que não existiu sentido para a guerra e nem vencedores pois todos terminaram infelizes e frustrados com os acontecimentos da Guerra de Troia.
Essa interpretação de Ilíada retornou à minha mente quando assisti The Banshees of Inisherin, filme que está chamando a atenção nessa época do ano pelas indicações nas premiações de cinema.
No longa, Colm decide encerrar a sua amizade de longa data com o seu melhor amigo, Padraic. Não quero dar spoilers, mas o motivo é complexo o suficiente para deixar essa relação complicada. Padraic não consegue entender o comportamento do ex-amigo e isso se desdobra em situações que me fizeram lembrar de Ilíada.
Da mesma forma que os heróis de Homero terminam a história com um gosto agridoce em relação a uma guerra que se mostrou sem sentido, Padraic e Colm vão para o mesmo caminho. Gosto de como esses detalhes pequenos das duas narrativas conversam e é realmente bem interessante como os personagens de Ilíada e The Banshees of Inisherin reagem em uma briga.
Talvez eu tenha exagerado em associar as duas histórias por The Banshees of Inisherin não ser um épico de guerra, mas o comportamento humano estudado em Ilíada está bem presente no filme. O roteiro foi escrito de uma forma bem cuidadosa e foi muito bom me sentir íntimo de Colm e Pádraic de tão bem construídos e sensíveis que eles são. Indico demais.
The Fabelmans segue sendo meu favorito dessa temporada de premiações, mas The Banshees of Inisherin ficou marcado no meu coração.
E para finalizar… indicações aleatórias
The Bear (Starz, 2022): Uma das melhores séries que assisti nos últimos tempos. Eu só sinto que ela tem muito potencial para estar no mesmo patamar de The Sopranos e Breaking Bad. Terminei a série com fome e arrepiado!
A Vergonha & O Lugar de Annie Ernaux: Estou gostando bastante de ler a obra de Annie. Sua escrita é fria e introspectiva, mas muito reveladora. Apesar de serem livros bem curtos, eles deixaram uma marca em mim e frequentemente penso nos temas abordados neles. Obs: Ela venceu o Nobel ano passado. Respeito demais.
Muito obrigado por ter lido até aqui. Feliz 2022 a todes! <3