Um clássico incompreendido: Moby Dick é muito mais que uma história sobre baleias
Antes de começar a ler Moby Dick, não esperava ler alegorias bíblicas, reflexões profundas sobre a humanidade e o relacionamento do homem com a natureza.
Texto escrito em 8 de maio de 2021.
Duas semanas atrás, decidi começar a leitura de Moby Dick, um clássico da literatura estadunidense escrito por Herman Melville e preciso confessar que passei um bom tempo obcecado por tudo que dizia respeito à história e quanto mais eu pesquisava e lia sobre a narrativa, mais eu ficava curioso sobre ela. Hoje, um tempo depois de ter finalizado a leitura, ainda me encontro curioso e fascinado por cada um dos personagens.
Em um olhar superficial, a narrativa central é sobre Ishmael e suas experiências no barco do Capitão Ahab, um personagem complexo que jura vingança contra uma cachalote que destroçou uma perna sua. Em um ritmo que me fez lembrar “A ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson, Melville apresenta a rotina dos outros marujos enquanto nos faz temer o ódio de Ahab por Moby Dick. É interessante perceber que nos sentimos bem próximos dos que trabalham com o Capitão, enquanto nada sabemos de sua personalidade além da raiva intensa por um animal.
Muitos entendem que Moby Dick representa todo o mal e violência do grandioso oceano que ser humano compreenderá um dia. Mas se o cachalote realmente é tudo isso, qual seria a sua diferença com Ahab? Se a intenção de Ahab era capturar a baleia com todos os seus equipamentos mortais e a resposta de Moby Dick foi a hostilidade, eu vejo que a natureza deles é mais similar do que imaginam. Ambos ameaçaram a honra um do outro, mas apenas um lado saiu vitorioso.
É claro que Moby Dick não é essencialmente violenta, mas é um ser tão complexo quanto Ahab. Porém, a linha que o separa do Capitão é firme. A defesa de Moby Dick foi puramente instintiva e o ataque de Ahab, em nome de uma necessidade material. A cachalote saiu vitoriosa por isso, ela lutava por sua vida e existência, enquanto Ahab buscava algo muito mais supérfluo em comparação. Melville nos faz entender que o verdadeiro Juiz é o Mar.
Por outro lado, temos um núcleo na narrativa que apresenta o amor entre os homens, no qual o autor não teve receio nenhum em deixar explícito. Ishmael e Queequeg, uma das duplas mais fascinantes da literatura estadunidense, são amantes. Não há como negar a existência do respeito e admiração que um nutria pelo outro e os pensamentos que Ishmael sobre o corpo de Queequeg reforça essa hipótese. Seria um contraponto da parte da história que é fundamentada no conflito entre seres?
E nada disso tira o protagonismo do Mar. Quando o homem não está sendo engolido pela natureza no enredo, ele está buscando compreender o que compõe o oceano. Ishmael não cansa de nos ensinar sobre cada detalhe da cetologia, desde a formação do interior da cachalote até a brancura de sua pele, que em uma das melhores partes do livro, ele questiona se o branco de Moby Dick não representa um grande vazio. E Melville nos alerta sobre esse nada. Somos peixes soltos e peixes presos nesse mundo e somos apenas sobreviventes nesse grande Mar que é a vida.
No final, cada personagem terminou como Jonas. O coração e as nossas motivações podem ser diferentes, mas o Mar uma hora vai nos engolir.